27 outubro 2010

Desfazendo Mitos Sobre Israel Nas Profecias dos Tempos Finais

Samuele Bacchiocchi

Há fundamentação bíblica para interpretações populares de profecias referentes à restauração de Israel? Tal indagação é respondida com autoridade e consistência exegética neste artigo.

Saiba também por que muitos judeus se sentem ofendidos com posturas de estudiosos cristãos ao interpretarem o papel futuro de Israel segundo tradicional visão escatológica de muitos intérpretes das profecias bíblicas.

A maioria dos cristãos evangélicos crê que a restauração do Estado de Israel em 1948 representa a “peça fundamental” nas profecias do tempo do fim. Tal ponto de vista é vigorosamente ensinado por praticamente todos os pregadores populares atuais. Isso significa que caso o que se crê e prega amplamente na atualidade quanto ao papel de Israel na profecia baseia-se numa equivocada interpretação de importantes textos bíblicos, há urgente necessidade de expor as falhas de tal ensino.


ISRAEL NA PROFECIA

Crê-se amplamente entre cristãos evangélicos que o firme retorno dos judeus à Palestina durante este século, e o estabelecimento do Estado de Israel em 1948, representam um extraordinário cumprimento de promessas específicas do Velho Testamento feitas aos israelitas. Ademais, esse suposto cumprimento é visto como o prelúdio de eventos finais tais como o Arrebatamento Secreto, a Tribulação, a reedificação do Templo de Jerusalém, a conversão dos judeus, o Retorno de Cristo e o estabelecimento do reino milenial judaico assumido por Cristo sobre o trono de Davi em Jerusalém.

Leon J. Wood adequadamente expressa esta opinião popular em The Bible and Future Events [A Bíblia e os eventos futuros]: “O mais claro sinal do retorno de Cristo é o moderno Estado de Israel. . . . Deve-se reconhecer que a cronologia de Deus poderia permitir que Israel estivesse na terra por muitos anos antes de levá-la ao desfrute de sua era gloriosa. Mas com a nação de fato ali, e com muitos fatores relacionados a isso ajustando-se a condições estabelecidas nas Escrituras para os últimos dias, . . . pode-se seguramente crer que a vinda de Cristo não está muito distante no futuro”.

Hal Lindsey é até mais específico ao garantir que a restauração política de Israel em 1948 não é só “um dos muitos eventos importantes de nossa época”, mas, “o mais importante sinal profético para proclamar a era do retorno de Cristo”. Ele até predisse ousadamente em 1970 que “dentro de quarenta anos ou próximo disso a partir de 1948, todas essas coisas poderiam vir a ocorrer”.

Um Acontecimento Notável. O retorno de muitos judeus à Palestina e o estabelecimento do Estado de Israel são acontecimentos muito notáveis, para dizer o mínimo. Assim, não admira que muitos cristãos e judeus vêem em tais eventos que se deram no Oriente Médio o cumprimento de profecias veterotestamentárias. Contudo, seria esta uma interpretação legítima das profecias?

É bem possível crer pessoalmente que o povo judeu tenha um direito moral ou histórico à terra da Palestina e que Deus haja providencialmente dirigido o estabelecimento do Estado de Israel, mas pode tal convicção ser legitimamente firmada em profecias bíblicas? Para responder a esta indagação é necessário examinar brevemente pelo menos algumas das profecias em geral apresentadas em apoio a essa crença.

PROFECIAS DO VELHO TESTAMENTO

As Promessas de Deus aos Israelitas. Há, primeiramente, a promessa de Deus a Abraão de que seus descendentes herdariam “toda a terra de Canaã, em possessão perpétua” (Gên. 17:8; cf. 12:7; 13:15; 15:18'). Adicionalmente, há promessas em alguns dos profetas que falam de um “segundo” retorno dos israelitas (Isa. 11:11) a sua terra natal “de todas as nações” (Jer. 29:14). Os dispensacionalistas acreditam que esse predito retorno supostamente se dará em descrença (Eze. 36:24-26; cf. Jer. 30).

Acham confirmação para tal posição no que se passa hoje em dia.
As promessas de restauração são vistas como promessas incondicionais literais cujo cumprimento teve início pela primeira vez em 1948 com a dramática recuperação de parte da Palestina pelos judeus. A posse ou perda de posse anteriores da terra de Canaã pelos israelitas supostamente não cumprem as promessas territoriais por, pelo menos, duas razões: Primeiro, Deus não prometeu posse temporária, mas “eterna” da terra (Gên. 17:8'). Em segundo lugar, os israelitas nunca possuíram no passado toda a terra prometida “desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates” (Gên. 15:18).

A Natureza Condicional da Promessa Divina. A interpretação literalística acima das promessas territoriais de Deus ignora primeiramente toda a sua natureza condicional. A promessa de terra à descendência de Abraão era condicional a sua contínua obediência aos requisitos de Seu concerto: “Disse mais Deus a Abraão: Guardarás a minha aliança, tu e a tua descendência no decurso das suas gerações” (Gên. 17:9; cf. 18:19).

A natureza condicional da promessa de terra no concerto abrâmico é claramente reconhecida nas Escrituras. Moisés, por exemplo, após a rebelião de Cades, lembrou à nova geração que a desobediência impediria seus pais de entrarem na terra da promessa: “Certamente nenhum dos homens desta maligna geração verá a boa terra que jurei dar a vossos pais” (Deut. 1:35; cf. Núm. 14:22-23).

Antecipando a expulsão dos israelitas da terra por causa da desobediência, Moisés admoestou o povo a “voltar para o Senhor”, o qual, por seu turno, se lembraria “da aliança que jurou a teus pais” (Deut. 4:30-31; cf. Deut. 30:2, 3; I Reis 8:47-50).
A natureza condicional das promessas de Deus é talvez melhor declarada em Jeremias 18:9-10, onde o Senhor declara: “E no momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino, para o edificar e plantar, se ela fizer o que é mal perante mim, e não der ouvidos à minha voz, então me arrependerei do bem que houvera dito lhe faria”.

Os princípios estabelecidos nesta passagem é de que as predições de Deus de bênção ou maldição para uma nação condicionam-se à obediência ou desobediência. Obviamente, é somente pela graça de Deus que os crentes podem cumprir as condições, mas permanece o fato de que as condições existem e que ninguém tem o direito de remover os “se’s” da Bíblia.

O Retorno em Descrença. Os dispensacionalistas recusam aplicar o princípio da natureza condicional das promessas de Deus às predições concernentes ao retorno dos judeus à Palestina. Eles apelam a textos tais como Ezequiel 22:17 e 36:24-28 para argumentar que “os judeus devem ser reunidos à sua terra num condição de descrença. A conversão nacional a Jesus Cristo, o seu Messias, não terá lugar até após serem restaurados à terra”.
Em outras palavras, a restauração territorial dos judeus deve supostamente preceder sua conversão ao Messias.

Infelizmente essa crença tem por base uma interpretação defeituosa de passagens bíblicas. Por exemplo, a declaração encontrada em Ezequiel 22:19-20, “vos ajuntarei na minha ira e no meu furor”, é tomada como referindo-se à atual emigração dos judeus à Palestina em descrença.

Essa interpretação está errada por duas razões, pelo menos: Primeiramente, nos versos precedentes Ezequiel não está descrevendo o futuro, mas a situação de seus contemporâneos israelitas ao enumerar os seus pecados que causariam o serem espalhados “entre as nações” (v. 15). Em segundo lugar, a reunião dos judeus “na minha ira e no meu furor” refere-se não ao seu retorno à Palestina em descrença, mas à inevitabilidade do juízo de Deus por sua desobediência, o que historicamente teve lugar quando das invasões e cativeiro sob os babilônios.

Esta passagem não permite qualquer dúvida de que o propósito da reunião é o juízo, não a restauração. Isto é tornado claro nos versos seguintes, onde o Senhor declara: “Congregar-vos-ei, e assoprarei sobre vós o fogo do meu furor ; e sereis fundidos no meio de Jerusalém” (Eze. 22:21). Destarte, a reunião em Ezequiel, à semelhança do ajuntamento em Jeremias (8:14), não visa à restauração e salvação, mas ao juízo e destruição.

Reajuntamento e Purificação. O segundo “texto prova” geralmente citado para dar apoio ao ponto de vista do retorno em descrença é Eze. 36:24-25: “Tomar-vos-ei de entre as nações e vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra. Então aspergirei água pura sobre vós e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificareis”. O fato de que a promessa de restauração territorial precede a purificação espiritual do povo nesta passagem é tida como significando que primeiro os judeus retornarão à Palestina em descrença, e posteriormente serão purificados e redimidos.

Tal conclusão tem por base numa seqüência cronológica artificial que não pode proceder da passagem. Ezequiel não está dizendo que o Senhor primeiro reajuntará os israelitas e daí, num período subseqüente, os purificará. Ele simplesmente declara que Deus fará duas coisas para o Seu povo: Ele os reunirá e os purificará. Nenhum indício é dado de que os dois acontecimentos serão separados por um período de tempo indefinido.

O contexto do capítulo sugere que o reajuntamento e purificação terão lugar ao mesmo tempo, com a purificação espiritual precedendo, antes que seguindo-se, à reunião. “No dia em que eu vos purificar de todas as vossas iniqüidades, então farei que sejam habitadas as cidades e sejam edificados os lugares desertos” (Eze. 36:33). Observações tais como estas claramente demonstram que Ezequiel 36:24-28 não oferece prova de predição quanto ao retorno dos judeus em descrença à Palestina no século vinte.

Duas Perspectivas Bíblicas. Apoio adicional para essa conclusão é propiciada por dois ensinos bíblicos básicos concernentes à terra da promessa. Primeiro, historicamente foi a descrença que impediu que os israelitas entrassem na terra de Canaã (Núm. 14:23; Sal. 95:7, 11). Essa verdade é reiterada pelo autor de Hebreus ao destacar o fato de que a descrença desqualifica qualquer um de entrar no descanso tipificado pelo sábado, seja o descanso político na terra de Canaã (Heb. 3:18-19; 4:6-8) ou o descanso espiritual da salvação (Heb. 4:3, 9, 10). Se a descrença impediu a entrada inicial na terra de Canaã, dificilmente poderia propiciar a condição que se segue a um retorno a tal terra.

Em segundo lugar, Deus recompensa a obediência, não a desobediência, com os privilégios da aliança. A restauração predita pelos profetas é condicional em caráter. Israel será restaurado “se se converterem a ti de todo o seu coração e de toda a sua alma na terra de seus inimigos” (1 Reis 8:48; cf. Oséias 11:10, 11; Deut. 30: 2, 3, 9, 10).

Uma “Segunda” Reunião. Outra profecia vista por muitos como texto-prova para a presente reconstituição de Israel acha-se em Isaías 11:11: “Naquele dia o Senhor tornará a estender a mão para resgatar o restante do seu povo, que for deixado, da Assíria, do Egito, de Patros, da Etiópia, de Elão, de Sinear, de Hamate e das terras do mar”.

A referência de Isaías a um “segundo” ajuntamento do remanescente de Israel de muitas nações é vista como tendo cumprimento hoje pela primeira vez com o retorno de alguns judeus para o restaurado Estado de Israel. A última é vista como o prelúdio para o ajuntamento final de Israel, que, para empregar as palavras de J. F. Walvoord, “terá sua culminação quando o Messias de Israel retornar à terra em poder e glória para reinar”.

Esse ponto de vista repousa sobre o pressuposto de que um “segundo” ajuntamento predito por Isaías não foi cumprido quando um fiel remanescente de Israel retornou de Babilônia para Jerusalém em 536 A.C. sob Zorobabel e novamente em 457 A.C. sob Esdras. Duas razões principais são geralmente dadas. Em primeiro lugar, o retorno do exílio babilônico foi somente de uma nação, Babilônia, e não de “todas as nações” (Jer. 29:14; cf. Isa. 11:11). Em segundo lugar, o retorno do exílio babilônico foi um pálido reflexo do grandioso retorno previsto por Ezequiel, Jeremias e Isaías.

Um Retorno “De Todas as Nações”. A primeira razão ignora três fatos significativos. Primeiro, era costumeiro naquele tempo vender prisioneiros de guerra a outras nações, de modo que fossem dispersados o máximo possível (Joel 3:7; Jer. 42-44; Eze. 27:13; Amós 1:6, 9). Num retorno gradual do cativeiro seria natural que alguns dos judeus amplamente dispersos retornassem à Palestina a partir de muitas nações. Isso é o que aparentemente teve lugar após o exílio babilônico, uma vez que os que retornaram não pertenciam exclusivamente à tribo de Judá, mas também a outras tribos (Esdras 2:59; 6Z:17; 1 Crôn. 9:33, 34).

Em segundo lugar, os profetas às vezes fundiam referências a um retorno da “terra de seu cativeiro” (isto é, Babilônia) com um retorno de “todas as nações”, porque em suas mentes essas expressões eram simplesmente modos variantes de descrever a condição dos judeus no exílio e a prometida restauração divina. Um bom exemplo disso se acha em Jeremias 30:10-11, onde as duas expressões são empregadas intercambiavelmente na mesma passagem: “Não temas, pois, servo meu Jacó, . . . pois eis que te livrarei das terras de longe, e à tua descendência da terra do exílio. . . . por isso darei cabo de todas as nações dentre as quais te espalhei” (cf. Jer. 31:8, 11; 46:27).

Em terceiro lugar, aplicar literal e coerentemente a predição de Isaías de um “segundo” ajuntamento de Israel de muitas nações ao retorno contemporâneo dos judeus à Palestina requereria que os judeus destruíssem ou despojassem ou subjugassem os filisteus, os edomitas, os moabitas e os amonitas, como declarado no contexto da profecia de Isaías: “Antes voarão para sobre os ombros dos filisteus ao Ocidente; juntos despojarão os filhos do Oriente; contra Edom e Moabe lançarão as suas mãos, e os filhos dos Amom lhes serão sujeitos” (Isa. 11:14). Uma vez que essas nações há muito desapareceram, é difícil ver como os judeus hoje poderiam cumprir literalmente a predição de Isaías de um “segundo” ajuntamento.

Essa interpretação profética fantasiosa poderia ser evitada simplesmente pela cuidadosa leitura do contexto, que claramente fala de um “segundo” retorno de um remanescente da Assíria, em relação com o primeiro retorno do Egito sob o comando de Moisés: “Haverá caminho plano para o restante do seu povo, que for deixado da Assíria, como o houve para Israel no dia em que subiu da terra do Egito” (Isa. 11:16). A Assíria é mencionada primeiro (também no v. 11) provavelmente porque Isaías escreveu essas palavras após o Reino do Norte ter sido deportado para a Assíria em 721 AC. Desse modo, esta profecia teve um cumprimento literal quando os israelitas retornaram do cativeiro no sexto século A.C.

LIMITADO RETORNO DO CATIVEIRO BABILÔNICO

A segunda razão mantém que o pequeno grupo de judeus que retornou à Palestina sob a condução de Zorobabel em 536 A.C. e Esdras em 457 A.C. seria apenas um pálido reflexo do grandioso retorno predito pelos profetas. Ademais, os judeus não experimentaram a prosperidade econômica e fertilidade agrícola preditas pelos profetas (Isa. 35:1; 61:4). As nações circunvizinhas não foram destruídas e continuam a ameaçar os judeus vez após vez. Conseqüentemente, deve-se considerar um cumprimento posterior aos eventos de nosso tempo.

O retorno dos judeus à terra está agora em progresso. Israel tornou-se o mais forte poder militar do Oriente Médio. O solo está sendo recuperado após séculos de negligência, mediante o desvio de água do Jordão para irrigar o deserto do Negev. Esses desenvolvimentos têm levado muitos cristãos a crer que as profecias sobre a restauração estão de fato tendo cumprimento hoje. Uma propaganda de viagem a Israel em Christianity Today [Cristianismo hoje, popular revista evangélica americana] (de 27 de outubro de 1967) apropriadamente expressa essa crença popularizada: “Está a Profecia Sendo Cumprida Nas Terras Bíblicas Hoje? Venha Ver”.

CUMPRIMENTO TRÍPLICE DAS PROFECIAS DE RESTAURAÇÃO

Dificilmente se negará que as profecias de restauração não foram completamente cumpridas no período pós-exílico. É apropriado esperar um cumprimento mais completo em época posterior. Todavia, ao buscar-se um cumprimento maior é importante reconhecer que as profecias relativas à Terra de Canaã e à restauração de Israel podem ter cumprimento tríplice: literal, figurado e antitípico.

Cumprimento Literal. As promessas de posse territorial aos descendentes de Abraão foram primeiro cumpridas literalmente várias vezes. Josué, por exemplo, declara: "Desta maneira deu o Senhor a Israel toda a terra que jurara dar a seus pais; e a possuíram e habitaram nela. . . . Nenhuma promessa falhou de todas as boas palavras que o Senhor falara à casa de Israel: tudo se cumpriu" (Josué 21:43, 45; cf. 1 Reis 8:56; Jer. 32:21-23).

Semelhantemente, a prometida restauração dos judeus à Palestina predita pelos profetas encontrou um cumprimento literal inicial quando um remanescente dos judeus retornou sob o comando de Zorobabel, Esdras e Neemias. Jeremias, por exemplo, na mesma passagem onde anuncia a restauração dos judeus "de todas as nações" (Jer. 29:14), explicitamente explica quando a prometida restauração teria lugar: "Assim diz o Senhor: Logo que se cumprirem para Babilônia setenta anos atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar" (Jer. 29:10). Daniel corretamente entendeu que esta profecia seria cumprida, não num futuro distante, mas em seu próprio tempo (Dan. 9:2).

Cumprimento Figurado. A promessa de Deus de dar terras à descendência de Abraão e da restauração de Israel também tiveram cumprimento de uma segunda maneira, figurativamente. O Novo Testamento explica que a terra e bênçãos prometidas à posteridade de Abraão tiveram cumprimento não só literal, no retorno dos judeus à Palestina no passado, mas também figuradamente e mediante a vinda de Cristo, o Qual é a intenção e conteúdo da aliança de Deus com Abraão (Atos 3:25-26; 13:16, 32-33).

Paulo explica que as promessas de Deus "feitas a Abraão e ao seu descendente" (Gál. 3:16) foram cumpridas em Cristo, porque Ele é o auge da verdadeira semente de Abraão. O cumprimento, porém, não consiste numa futura nova possessão da Palestina pelos judeus, mas na herança de toda a terra renovada pelos crentes em Cristo a partir de todas as nações (Rom. 4:13; Mat. 5:5, 3; Apoc. 21:1-8).


Reajuntamento dos Gentios. Não somente a promessa territorial de Deus à descendência de Abraão, mas também as últimas predições concernentes à restauração de Israel, são vistas no Novo Testamento como cumprindo-se figuradamente mediante a vinda de Cristo. No Concílio de Jerusalém, por exemplo, após Pedro, Paulo e Barnabé relatarem como Deus trouxera muitos gentios à fé, Tiago, que aparentemente presidia o concílio, declarou: "Irmãos, atentai nas minhas palavras: Expôs Simão como Deus primeiro visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome. Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito:

"Cumpridas estas cousas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e, levantando-os de suas ruínas, restaurá-los-ei. Para que os demais homens busquem o Senhor, e todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor que faz estas cousas conhecidas desde séculos" (Atos 15:14-18).

Tiago cita a profecia de Amós sobre a restauração do reino de Davi (Amós 9:11-12) que produziria um ajuntamento de gentios, e diz que essa profecia tinha cumprimento pela reunião dos gentios à comunidade do povo de Deus. Há aqui um claro exemplo de cumprimento neotestamentário duma profecia do Velho Testamento concernente à restauração de Israel.

É digno de nota a mudança feita por Tiago ao traduzir a profecia de Amós. A sentença de Amós "para que possuam o restante de Edom" (Amós 9:12), torna-se em Atos 15:17, "para que os demais homens busquem o Senhor". Isso significa que Tiago viu o cumprimento da profecia de Amós, não numa futura restauração política da dinastia davídica que obteria posse militar dos remanescentes de Edom, mas no reino espiritual de Cristo voluntariamente buscado pelos crentes. Aqui, pois, o Novo Testamento interpreta figuradamente uma profecia veterotestamentária da restauração de Israel.

Cumprimento Antitípico. As profecias a respeito da Terra Prometida e a restauração de Israel também terão um cumprimento final antitípico--a posse final pelo povo de Deus da nova terra da qual Canaã era um tipo.

As Escrituras mostram a terra de Canaã como um tipo da herança do povo de Deus na nova terra. Hebreus explica que Abraão e seus descendentes crentes viam o cumprimento derradeiro da prometida terra de Canaã, não como um retorno àquela "de onde saíram", mas, a um "pátria superior, isto é, celestial" (Heb. 11:15-16). Logo, Abraão, a quem havia sido prometida a terra de Canaã, "aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador" (Heb. 11:10).

A futura "cidade santa" (Apoc. 21:10), a que Abraão aspirava, será o cumprimento antitípico da promessa divina de posse eterna da terra de Canaã. Essa promessa se cumprirá sobre a nova terra por todos os descendentes espirituais de Abraão, crentes judeus e gentios. Paulo o enfatiza ao dizer: "E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão, e herdeiros segundo a promessa" (Gál. 3:29). Como crentes somos "herdeiros" da promessa de Deus a Abraão quanto à "pátria melhor" e a ser "herdeiro do mundo" (Heb. 11:6; Rom. 4:13).

Restauração Messiânica. O cumprimento antitípico também se aplica às profecias referentes ao ajuntamento de Israel da dispersão. A predição de Isaías com de um "segundo" ajuntamento do remanescente de Israel (Isa. 11:11) é dada no contexto da Vinda do Messias como um Juiz glorioso que "ferirá a terra com a vara da sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o perverso" (Isa. 11:4). O resultado final disso será paz, justiça e harmonia no mundo natural, "porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar" (Isa. 11:5-9).

Ao tempo da restauração messiânica final há pouco descrita, "o Senhor tornará a estender a mão para resgatar o restante do seu povo, que for deixado [de muitas nações]" (Isa. 11:11). Isso significa que Isaías prediz uma segunda reunião de Israel, não meramente à terra de Canaã, mas ao próprio Messias no tempo em que virá como Juiz para restaurar justiça, paz, e prosperidade ao mundo. Essa reunião não é só para Israel, mas os crentes de muitas nações. (Isa. 11:11).

O Novo Testamento retrata essa reunião final de crentes de todas as nações quando do glorioso Retorno de Cristo. Nessa ocasião, "Ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus" (Mat. 24:31). Essa reunião final não será no Oriente Médio, mas "de uma a outra extremidade dos céus" ao Salvador. Esse é o cumprimento antitípico final do segundo ajuntamento predito por Isaías (cf. Mat. 8:11-12).

Significado Mais Profundo de Israel e Canaã. Uma pergunta poderia ser levantada: Por que, então, os profetas do Velho Testamento falam tão claramente de uma restauração nacional de Israel a sua terra, quando o cumprimento derradeiro dessas profecias é a herança da Nova Terra pelos crentes de todas as eras? A resposta se acha no fato de que os profetas do Velho Testamento muitas vezes descrevem a bênção final por meio de termos e experiências familiares aos israelitas de seus dias.

Para os profetas, o termo "Israel" significava o povo de Deus, e a terra de Canaã as prometidas bênçãos de paz e prosperidade. Por causa desses significados mais profundos, esses termos podiam servir para expressar a esperança da realização final das bênçãos divinas para o Seu povo.

A "perspectiva profética" capacitava os profetas de verem a visitação divina final e a restauração mediante a transparência de eventos históricos iminentes. Do mesmo modo, a reunião final de todos os crentes (Isa. 11:11; 49:6) é às vezes descrita pelos profetas em termos do reajuntamento do remanescente de Israel a sua terra.

As considerações sobre os cumprimentos literal, figurado e antitípico das profecias veterotestamentárias sobre a restauração de Israel levam à conclusão de que essas profecias não foram integralmente cumpridas nos tempos do Velho Testamento. Contudo, seu cumprimento mais pleno deve ser buscado, não na restauração política dos judeus na Palestina, mas na reunião universal de todos os crentes na Nova Terra.

Limitar o cumprimento dessas profecias a uma restauração política dos judeus na Palestina, seja agora ou durante o milênio, é ignorar o testemunho do Novo Testamento que vê essas profecias cumpridas, não em algum futuro retorno dos judeus à Palestina, mas na atual reunião dos crentes na Igreja e numa reunião universal vindoura de povos de todas as tribos, povos e línguas na Nova Terra.

"Os Tempos dos Gentios".Uma das profecias muito citadas pelos dispensacionalistas para apoiar o atual retorno dos judeus à cidade de Jerusalém é Lucas 21:24: "até que os tempos dos gentios se completem, Jerusalém será pisada por eles". Muitos cristãos crêem que esta profecia foi cumprida pela primeira vez em 6 de junho de 1967, quando os judeus reconquistaram a Cidade Velha de Jerusalém, assim dando fim ao ser "pisada" pelos gentios.

O raciocínio para esse ponto de vista é adequadamente expresso por um destacado teólogo dispensacionalista, C. F. Baker: "Se esta cidade é pisada até um certo tempo, deve necessariamente vir um tempo subseqüente quando a cidade não mais será pisada. . . . Se esta passagem ensina algo, trata-se de que a Jerusalém terrestre deve ser restaurada". Tal raciocínio parece lógico mas assenta-se sobre uma interpretação infundada do advérbio "até", além de ignorar os ensinos globais de Cristo a respeito do tema.

A função primária do advérbio "até" na frase "até que os tempos dos gentios se completem" é para indicar o término do espisoteamento de Jerusalém, mas não sua restauração a um estado prévio de soberania judaica. O advérbio "até" (no original grego achri) em si não sugere uma mudança para uma situação prévia. Por exemplo, na admoestação, "conservai o que tendes, até que eu venha" (Apo. 2:25), o advérbio "até" não transmite a idéia de uma mudança da condição presente de fidelidade a uma condição precedente de infidelidade (cf. Apo. 2:10; 1 Cor. 15:25).

Nessa declaração Jesus simplesmente declara que a condição de Jerusalém ser pisada não cessará dentro de cinqüenta ou cem anos, mas prosseguirá até a sua Segunda Vinda. O evento que se seguirá ao cumprimento do "tempo dos gentios" não é a restauração da soberania judaica sobre a cidade de Jerusalém, mas o Retorno de Cristo (Lucas 21:25-28).

Predição de Destruição, não de Restauração. Deve-se tomar nota do fato de que ao predizer a destruição de Jerusalém, Cristo nada disse a respeito de sua restauração. O que Jesus ensinou, em vez disso, é que a condição especial dos judeus como povo de Deus tinha chegado a um fim (Mat. 23:38; Lucas 19:41-44). Na parábola dos lavradores na vinha, os lavradores infiéis não obtêm a repossessão da vinha em ocasião futura, mas a perdem para sempre, pois Deus a concede a "povo que lhe produza os respectivos frutos" (Mat. 21:41-43).

A mesma verdade é expressa na parábola da Festa das Bodas, onde os lugares daqueles que foram originalmente convidados para a festa são assumidos por todo tipo de outras pessoas trazidas da rua (Mat. 22:1-10). Aqueles que "tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus" "virão do Oriente e do Ocidente . . . ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas" (Mat. 8:11-12).

Esta descrição de pessoas vindas "do oriente e ocidente" alude a certas descrições proféticas do retorno dos judeus do exílio (cf. Isa. 43:5; Sal. 107:3). Contudo, aqui Jesus claramente aplica essas profecias ao ajuntamento de todos os crentes, judeus e gentios. O Novo Testamento não antecipa o retorno dos judeus a uma Jerusalém restaurada mas à reunião de todos os crentes na Nova Jerusalém edificada pelo próprio Deus (Apo. 21-22).

CONCLUSÃO

A inescapável conclusão que emerge deste estudo das principais profecias sobre restauração é de que nenhuma delas oferece uma predição ou sequer dá indício de uma restauração de judeus à Palestina em nosso século como um prelúdio dos eventos finais da história da Terra.

Descobrimos que a Escritura vê essas profecias como cumpridas literalmente quando um remanescente de judeus retornou à Palestina vindos de Babilônia; figuradamente quando Cristo veio a primeira vez para reunir espiritualmente todos os que Nele crêem; e antitipicamente quando Cristo retornar para reunir fisicamente o Seu povo "de uma extremidade do céu à outra" para a Nova Terra.

O ponto de vista de que a restauração política dos judeus em 1948 é "o sinal profético mais importante para anunciar a era do retorno de Cristo" é, portanto, uma opinião que não conta com suporte bíblico legítimo. Desafortunadamente, contudo, essa posição equivocada é a própria base sobre que se firma o cenário popular dos acontecimentos do fim dos tempos promovido por tantos pregadores evangélicos populares em nossos dias.

ADENDO

Teólogos Evangélicos Ofendem Judeus Com Interpretações Escatológicas Discriminatórias

A Bíblia nos diz claramente que Deus “não faz acepção de pessoas” e também que é o mesmo “ontem, hoje e para sempre”, pois afirmou Ele próprio: “Eu, o Senhor, não mudo”.

A despeito disso, há certos ensinos teológicos entre cristãos evangélicos que colocam a Deus como um grande discriminador, não só contra os judeus, mas mesmo de judeu contra judeu, e não só durante a era presente, mas por todos os séculos da eternidade. Eis como expõe o problema o Dr. Bacchiocchi em outro de seus trabalhos de pesquisa:

“Deus é acusado de planejar o ‘arrebatamento’ [da Igreja] que, noutras palavras, representa que removerá a Igreja de sobre a Terra para derramar Sua ira de modo implacável sobre os judeus durante os “sete anos” de tribulação. Então um Anticristo judaico supostamente se levantará nessa ocasião que tentará passar pelo próprio Cristo. Os judeus que se converterem na tribulação final formarão uma segunda classe de cidadãos no reino eterno de Deus.

“Paradoxalmente, os pregadores e autores dispensacionalistas dão a impressão de serem grandes apoiadores dos judeus e do Estado de Israel. O conhecido Rev. Jerry Falwell, por exemplo, é citado como declarando para o jornal Washington Post de 23 de janeiro de 1999, pág. B11: ‘Se há uma pessoa sobre a Terra hoje fora da comunidade judaica que tem as mais fortes credenciais como sendo pró-judeus e pró-Israel além de Jerry Falwell, eu ainda não conheci’.

“O que Falwell deixa de esclarecer, porém, são os motivos para ser ‘pró-judeus e pró-Israel’. As razões são evidentes na teologia dispensacionalista que ele esposa. O dispensacionalismo ensina que a restauração para os judeus a sua terra natal é a peça central das profecias dos tempos finais que prepara o cenário para o Arrebatamento, a Tribulação, o surgimento do Anticristo, a Reedificação do Templo, o Retorno de Cristo e o Reino Milenial de Cristo.

“Para declarar as coisas de modo direto, os pregadores e autores do dispensacionalismo estão ansiosos por promover o progresso do Estado de Israel simplesmente porque vêem isso como um prelúdio necessário para o arrebatamento da Igreja. Quanto mais cedo os judeus estiverem plenamente estabelecidos em sua terra natal, mais cedo a Igreja será arrebatada e mais cedo Deus castigará os judeus como nunca fez antes.

“Os líderes judaicos são suficientemente inteligentes para entender que a política ‘pró-judeus e pró-Israel’ de gente como Jerry Falwell deriva, em última instância, de uma teologia de desprezo pelos judeus. Este aspecto é tornado bem claro no artigo do Washington Post que faz referência às declarações de Jerry Falwell sobre o Anticristo como sendo um judeu que, provavelmente, ‘está vivo em algum lugar hoje’ (edição de 23 de janeiro de 1999, página B11).

Phil Braum, diretor executivo do Congresso Judaico Americano, é citado no artigo declarando a respeito de Jerry Falwell: ‘Eis um homem que professa ser simpático às causas judaicas de todo tipo, e ao mesmo tempo se empenha em fazer esse tipo de declaração brutal. A maioria das pessoas que ouvirem isso pensará que os judeus . . . são responsáveis pelos males do mundo. O que ele está fazendo é causar uma reação anti-semítica e ele é responsável por isso’.

“Numa linha de pensamento semelhante, Abraham H. Foxman, diretor nacional da Liga Anti-Difamação (entidade judaica norte-americana) é citado ao dizer que a despeito de ‘anos de diálogo cristão-judaico, o Rev. Falwell não aprendeu coisa alguma. Revertendo a uma interpretação distorcida do Novo Testamento, ele repete o que há de pior na intolerância que resultou em perseguição de judeus e inquisições’.

“A razão por que o Rev. Falwell e colegas evangélicos como ele ‘não aprenderam coisa alguma’ sobre o glorioso plano de Deus para a salvação de judeus e gentios é simplesmente porque suas mentes foram cegadas por séculos de teologia de deprezo pelos judeus”.

Há ainda a teoria de que, de algum modo, o Templo de Jerusalém será reedificado e todos os judeus da última geração por fim se converterão, aceitando o Messias por uma ação especial do Espírito que atuará sobre a mente desses filhos de Abraão dos tempos finais. Mas não seria tal noção também discriminatória? O que dizer de todas as demais gerações que não tiveram tal privilégio? Perderam-se porque o Senhor não lhes foi tão favorável . . . Enfim, um Deus que discrimina judeu contra judeu!

Isso sem falar nas implicações políticas da noção de reconstrução do Templo de Jerusalém. Há alguns meses ouvi uma entrevista por uma emissora de Birmingham, Alabama, EUA (área onde resido) em que um líder cristão dizia pertencer a uma entidade que estava coletando fundos para o projeto de dita reconstrução do Templo judaico.

Quando o repórter, da estação educativa WBHM, perguntou-lhe sobre o que isso representaria em termos políticos, diante do fato de que os árabes certamente não admitiriam tal iniciativa, ele respondeu algo como: “Não nos preocupamos o mínimo com o que isso possa causar. Cumprimos o que Deus determinou, e pronto. . .” Entre o que isso poderia causar consta a destruição de uma das maiores e mais famosas mesquitas árabes, o famoso Domo de Omar, edificada sobre o sítio do antigo Templo de Jerusalém. . .

Não seriam tais atitudes e mentalidade de um radicalismo que não difere muito da cosmovisão dos talibãs e membros do Al-Qaeda? Quem sabe não teria isso também contribuído para as ações terroristas contra o território e instituições americanas nos EUA e além-mar. . . Afinal qual é o grande baluarte do cristianismo evangélico no mundo, donde tais interpretações dispensacionalistas brotaram?

Bacchiocchi prossegue: “Um sinal bastante evidente de tal teologia é a redução do sábado a uma velha aliança, uma instituição judaica, que teve fim na cruz, e a promoção do domingo como sinal do Novo Concerto”. Bem, mas esta já é outra discussão, tratada por ele em detalhes ao analisar a Carta Pastoral do Papa João Paulo II, Dies Domini, reproduzido no artigo no. 58 de nosso “Catálogo” que pode ser remetido gratuitamente a quantos se interessarem em examinar seus pontos de vista a respeito desse polêmico assunto.

Samuele Bacchiocchi doutorou-se com louvor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, sendo o primeiro não-católico a conseguir tal feito. Ele até fez por merecer uma medalha da parte do Papa Paulo VI por sua brilhante atuação como aluno da famosa instituição vaticana. Sua tese doutoral, sobre a mudança da observância do sábado para o domingo, foi publicada em forma de livro pela imprensa do próprio Vaticano, tendo o devido Imprimatur da Igreja Católica. Tal livro foi traduzido para o português e está disponível em forma de arquivo eletrônico (333 páginas). Para obter informações de como conseguir um exemplar de Do Sábado Para o Domingo, em arquivo eletrônico, mande-nos um e-mail a respeito. 

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